Brasil fora do Mapa da Fome: como políticas públicas e ODS impulsionaram a mudança

Autor: Juliana Telesse - Assistente de Comunicação Acadêmica

O Brasil está fora do Mapa da Fome da FAO/ONU, indicador que identifica países onde mais de 2,5% da população enfrenta subalimentação grave. A conquista, anunciada em 2025, representa um marco histórico na política social brasileira e está diretamente ligada à retomada de programas vinculados à articulação entre governo e sociedade civil alinhados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), em especial o ODS 2 – Fome Zero e Agricultura Sustentável. 

Karolina Roeder, professora dos cursos de Ciência Política e Relações Internacionais da Uninter, explica que a “insegurança alimentar não é apenas falta de comida, é instabilidade no acesso a alimentos adequados, seguros e nutritivos”. Essa condição pode ser leve, quando há preocupação com a possibilidade de faltar comida, moderada, quando há redução da quantidade, ou grave, quando há privação total. Além disso, não se trata apenas de quantidade: dietas pobres em nutrientes, baseadas em produtos ultraprocessados, também configuram insegurança alimentar. “Pode haver comida no prato, mas com pobreza nutricional”, reforça Karolina. 

Esse olhar mais amplo sobre o assunto explica por que o combate à fome é complexo e envolve muito mais do que apenas fornecer alimentos. Ele exige políticas que garantam qualidade, diversidade e regularidade. 

O combate à fome é uma das 17 metas globais estabelecidas na Agenda 2030 da ONU. Para Karolina, os ODS funcionam como “um pacto político que orienta diretrizes nacionais, define métricas de avaliação e impacta até a reputação internacional do país”. Embora não haja sanções formais para quem não cumpre as metas, a adesão influencia a imagem do país, atração de investimentos, acordos comerciais e acesso a recursos de cooperação, como os do Banco Mundial e do PNUD. 

É importante salientar que esses alinhamentos às metas internacionais, depende também da estabilidade institucional. “Sem democracia e instituições sólidas, os ODS viram apenas intenções”, diz Karolina.  

Políticas públicas eficazes exigem coordenação federativa com continuidade. Um exemplo é a própria estratégia que levou o Brasil a sair do Mapa da Fome, ancorada no Plano Brasil Sem Fome. Foram reunidos mais de 80 ações e programas de 24 ministérios, em um esforço coletivo do Governo Federal, estados, municípios, organizações da sociedade civil e empresários, segundo relato do ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Wellington Dias, em coletiva de impressa. 

Entre as principais iniciativas estão a valorização do salário-mínimo, a reformulação do Bolsa Família, o reajuste do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), o fortalecimento do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o maior Plano Safra da Agricultura Familiar da história.  

Para Relly Amaral Ribeiro, mestre em Serviço Social e Políticas de Assistência Sociais e professora de Pós-Graduação na área Social da Uninter, essas medidas têm efeito em cadeia. “Quando o governo compra da agricultura familiar, garante comida fresca nas escolas ele movimenta a economia local”, explica. Essa lógica gera desenvolvimento regional e reduz desigualdades, transformando políticas de assistência em instrumentos de fortalecimento produtivo. 

Além disso, ações como cozinhas comunitárias, sacolões populares e programas de transferência de renda, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), ampliam o alcance da política de segurança alimentar, atendendo populações em situação de vulnerabilidade, incluindo pessoas em situação de rua, quilombolas e comunidades tradicionais. 

Muito embora o Brasil já tenha saído do Mapa da Fome em 2014, retornou em 2021 após cortes orçamentários, extinção de conselhos de controle social, aumento da pobreza e impactos da pandemia. “Quando um programa é desmantelado, não é só a população na ponta que perde. O pequeno produtor que vendia para o governo passa a depender de cesta básica”, observa Relly. A interrupção dessas políticas corrói redes produtivas e por consequência agrava desigualdades. 

A diferença entre políticas de Estado e políticas de governo é que as políticas públicas permanecem por sua eficácia comprovada. É o caso de programas como Bolsa Família, que se tornou permanente por seus resultados consistentes. Mesmo assim outras ações foram descontinuadas por mudanças ideológicas ou restrições fiscais, como o teto de gastos aprovado em 2016. 

Segundo Karolina, os ODSs servem como referência para relatórios internacionais, influenciam rankings e ajudam a projetar a imagem do país no exterior. “Mais do que números, são métricas que afetam a capacidade de atração de investimentos sustentáveis e a reputação internacional”, afirma. 

Nesse aspecto, o Brasil alcançou o objetivo oito anos antes do previsto na Agenda 2030. O desafio passa a ser então a manutenção dos resultados.  “Garantir comida no prato depende de manter políticas públicas consistentes e articulação entre União, estados, municípios e sociedade civil”, como aponta Relly. Mais do que atender a uma meta global, a conquista reafirma que compromissos internacionais, quando incorporados às políticas nacionais, têm impacto na vida das pessoas reais. 

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Autor: Juliana Telesse - Assistente de Comunicação Acadêmica
Edição: Larissa Drabeski
Créditos do Fotógrafo: Arte Juliana Telesse


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