Música e cultura além dos grandes centros
Autor: Cyntia Fonteles - Estagiária de Jornalismo
No Brasil, a arte não se restringe às grandes capitais. Pequenos municípios e regiões periféricas vêm se firmando como verdadeiros polos culturais, onde tradições locais são mantidas vivas, sonoridades são reinventadas e movimentos potentes ganham forma, ainda que, muitas vezes, permaneçam invisíveis para a grande mídia.
É nesse contexto que se destaca Leon Adan: músico, percussionista, compositor, poeta, ator, doutor em História, fundador do Araucoco, um dos criadores da Casa Cultural Ará e do bloco de Pífanos de Curitiba. Pernambucano radicado em Curitiba (PR) desde 2018, possui uma trajetória de 18 anos que expressa uma circulação cultural entre territórios tão diversos quanto o Nordeste e o Sul do país.
“Eu não tenho uma formação formal em música, minha vivência é a cultura popular”, explica. Para ele, não é preciso fazer parte de uma família tradicional para ser atravessado por essa herança. “Você sai na rua e tropeça em cultura popular”, complementa.
Ao mesmo tempo em que carrega esse legado ancestral, Leon também dialoga com outros universos sonoros, como rock e os ritmos urbanos, resultado de uma história vivida entre áreas rurais e periferias.
Seu trabalho articula profundamente as múltiplas tradições musicais brasileiras, sobretudo aquelas ligadas à cultura afro-brasileira e indígena de Pernambuco. Ao unir ritmos tradicionais, como coco, ciranda e afoxé, a elementos contemporâneos, Leon cria uma melodia única, capaz de alcançar diferentes públicos e preservar um legado cultural rico e essencial.
Essa fusão intensa e autêntica se reflete diretamente em sua arte, marcada por uma forte percussão, pelos instrumentos que não se encaixam em rótulos. “O Brasil precisa de arte e cultura para entender quem somos”, afirma.
Embora longe de sua terra natal, Leon prova que ancestralidade e raízes culturais podem ser ressignificadas e reinventadas, ampliando o panorama artístico brasileiro. Suas composições vão além da música: são carregadas de poesia, reflexão social e critica, com uma profunda conexão com a natureza e as culturas tradicionais. Assim, sua obra se transforma em um espaço vivo de resistência artística e política, dialogando diretamente com as vivencias e os desafios das comunidades periféricas.
A música de Leon é um verdadeiro mosaico de referências culturais. O artista também é um dos fundadores de um importante projeto cultural em Curitiba, o Araucoco, uma roda de coco que nasceu com o propósito de manter viva uma das mais antigas expressões da cultura popular nordestina.
“O coco é uma brincadeira afro-indígena, tem contribuições de todas as matrizes étnicas do Brasil”, conta. Com raízes profundas no Nordeste, o coco combina percussão corporal, pisadas, palmas e canto, com instrumentos como maracás e tambores. Pode ser dançado em roda, em fileiras ou de forma mais solta, sempre com forte presença da ancestralidade indígena e africana.
Leon teve seus primeiros contatos com o coco nas festas populares e guarda como referência. “Foi com o coco que comecei a fazer cultura popular”, relembra. Ao se mudar para Curitiba, sentiu falta da brincadeira que tanto o atravessou e decidiu criar o Araucoco, iniciativa que hoje completa dois anos e se tornou ponto de encontro de quem quer celebrar, dançar e manter vivo esse legado ancestral, em pleno Sul do Brasil.
“Eu senti que tinha uma carência muito grande dessa cultura popular que, para mim, tem muito a ensinar. Só a família não é o suficiente, só a escola não é o suficiente, todos precisam entender que esses saberes são diversos e são tão importantes quanto os saberes formais”, garante.
Em maio de 2025, lançou seu primeiro álbum completo, Pássaro Negro, que exalta a ascendência afro-indígena por meio da música, da poesia e da resistência cultural. O videoclipe da faixa-título, gravado no bairro Vila Torres, em Curitiba, contou com a participação do Bloco Afro Pretinhosidade, revelando as contradições da vida urbana enquanto celebrava a potência da cultura negra periférica.
“Com o álbum quero apresentar um pouco mais da minha visão de mundo, do que acredito de toda essa confluência, da minha história, da minha raiz pernambucana afro-indígena”, destaca. Entre metáforas e verdades literais, a imagem do Pássaro Negro em voo traduz muito mais que liberdade: ela simboliza a busca constante de pessoas negras e indígenas por espaços historicamente negados. Em uma sociedade que ainda impõe gaiolas invisíveis, mas opressoras, voar se torna ato político, espiritual e artístico. “A gente precisa alcançar nossos espaços, alcançar os lugares, ser quem queremos ser e ir em busca delas”, afirma.
Uma voz que carrega consigo o peso da ancestralidade e o desejo de transformação. O voo, então, é tanto interno quanto externo, de autoconhecimento e de enfrentamento das estruturas sociais. Essa metáfora, embora poética, se desdobra de maneira concreta em ações, lutas e afirmações. É um chamado à autoafirmação, à compreensão dos processos sociais que moldam identidades e à coragem de romper com os limites impostos. “Esse pássaro negro é tudo isso”, reconhecendo na figura alada o símbolo de uma travessia que une arte, existência e resistência.
Ao escolher as comunidades quilombolas, assentamentos e periferias para levar sua arte, Leon afirma que “nada mais natural do que a gente ir ao encontro dessas pessoas, que simbolizam esses pássaros. Somos vários pássaros negros por aí”.
A turnê de Pássaro Negro já alcançou comunidades tradicionais do Paraná, como Antonina e Adrianópolis. Além dos shows, tem rodas de conversas e oficinas de ritmos e ressonâncias onde o intuito não é ensinar e sim aprender. Participativas que resgatam os ritmos do toré, do coco, entre outros compassos.
Ao recusar o papel de porta-voz da tradição, Leon se posiciona com ponte entre mundos, reconhecendo a força de sua cultura, mas sem se limitar a ela. Seu compromisso está em honrar as raízes sem se prender a fórmulas, misturando texturas, beats e influências contemporâneas que dialogam com o presente. “Não quero parecer um imitador da cultura popular, nem me tornar algo obsoleto”, garante.
É assim, entre o respeito à memoria e a ousadia da experimentação, que Leon reafirma seu lugar: não como herdeiro de uma linhagem específica, mas como filho legitimo de um território vivo, pulsante e em constante evolução. E deixa um convite direto: “Quero que vocês escutem minha música”, finaliza.
Conheça o trabalho de Leon Adan nas redes sociais @leonadanbr. Confira a participação do artista no programa Papo Castiço, transmitido pela TV Uninter, no dia 30 de julho de 2025.
Autor: Cyntia Fonteles - Estagiária de JornalismoEdição: Larissa Drabeski
Revisão Textual: Nayara Rosolen - Analista de Comunicação Acadêmica
Créditos do Fotógrafo: Reprodução/Youtube


