Contestado, a guerra que chegou de trem

Autor: Valéria Alves - Estagiária de Jornalismo

Imagine que você habita uma região subdesenvolvida, onde a população vive na pobreza e é praticamente ignorada pelo poder público. Apesar disso, a região desperta a cobiça dos poderosos, pois é rica em madeiras nobres, como a araucária, e ao seu redor há erva mate em abundância.

As coisas começam a mudar quando uma empresa norte-americana, a Brazil Railway, durante a construção de uma via férrea que corta a região, percebe que pode lucrar muito mais com a extração de madeira. Pouco tempo depois, os camponeses pobres que ali viviam passam a ser expulsos de suas terras, e cerca de 8 mil operários que trabalhavam na obra são demitidos, ficando sem ter para onde ir.

Esse fato aconteceu bem próximo de nós, em uma região cuja posse era disputada pelos estados do Paraná e de Santa Catarina. O objetivo da construção da estrada de ferro era ligar São Paulo e o Rio Grande do Sul, e foi o início do que se tornaria mais tarde a Guerra do Contestado, que aconteceu de outubro de 1912 a agosto de 1916.

“Essa é uma história muito marcante para o povo pobre da região, que acabou sendo reprimido e teve os seus direitos não reconhecidos. Essa era a conduta da República Velha na época, uma república aristocrática com base no coronelismo e no domínio sobre os mais pobres”, explica o professor-doutor Gerson Luiz Buczenko, do curso de História da Uninter.

Naquela época, monges, profetas e beatos circulavam pelo interior do país atraindo fiéis para suas pregações. Muitas pessoas que estavam sem rumo depois de perder sua terra passaram a seguir um pregador conhecido como José Maria, que fundou novos povoados junto a seus seguidores, tornando-se um líder espiritual de grande influência.

Unidos, os camponeses entraram em conflito com grandes proprietários de terra e foram reprimidos pelas tropas do governo do Paraná, na região de Irani, cidade hoje localizada em Santa Catarina. Os confrontos resultaram na morte de José Maria e do comandante das tropas do exército, o coronel João Gualberto. Mas isso não resolveu o conflito.

“O povo acaba seguindo outros líderes, mas depois a força pública do Paraná e de Santa Catarina, com o reforço do Exército Brasileiro, resolvem o conflito da pior forma possível, com a repressão contra o povo pobre que não tinha para onde ir”, explica Gerson.

Mortes e baixo IDH

A estimativa é de que mais de 20 mil pessoas tenham morrido na guerra. Segundo o professor, as consequências se refletem até os dias de hoje: a antiga região do Contestado ainda é uma das áreas mais pobres de Santa Catarina e possui um dos piores IDHs (índice de desenvolvimento humano) do estado.

Para não deixar que essa história seja esquecida e para valorizar a luta do povo caboclo durante esse período, o evento “Semana do Contestado” acontece desde 2015 em Caçador (SC), promovido pela prefeitura da cidade, pelo Museu do Contestado e pelo Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC).

Este ano, como parte das atividades, a cidade também realizou o Primeiro Congresso Nacional do Contestado, em que o professor Gerson esteve apresentando o artigo “Memórias do Contestado em Sala de Aula: Uma experiência com o 1º ano do Ensino Médio”.

Obrigatoriamente, os alunos do nono ano do ensino fundamental precisam estudar o assunto na grade curricular. Além disso, a Guerra do Contestado é um tema bastante cobrado no Enem, em concursos seletivos para o ensino médio e em diversos vestibulares.  Segundo Gerson, é importante que os alunos estudem esse episódio, muitas vezes esquecido, e que não vejam a história como algo distante de sua realidade.

“Mostrei algumas imagens para ver se os alunos lembravam do episódio. Houve algumas aproximações, alguns lembraram da República Velha, do autoritarismo da época e das aristocracias da região, mas não lembraram desse fato importante em si que é o Contestado”.

Participação no congresso

O evento, que aconteceu no mês de junho no Instituto Federal de Caçador, promoveu o debate acadêmico e teórico sobre os trabalhos. “Isso certamente servirá para que outros professores possam produzir experiências e repensar o quão importante é não esquecer a história local, para que depois possamos conectá-la com a história geral do mundo”.

Além disso, de acordo com Gerson, a virada do século XIX para o século XX foi marcada por um Brasil muito caótico, onde a população era em sua maioria analfabeta, e ainda havia os recém-libertos da escravidão, deslocados na sociedade. Essa situação tem reflexos até os dias atuais.

“Nós vivemos em um país que ainda não fez sua reforma agrária e que trata o homem do campo como uma pessoa que vive à margem da sociedade. Ainda há muito o que fazer para que a nossa população, principalmente a que vive no campo, tenha plena igualdade de condições”, conclui Gerson.

Incorporar HTML não disponível.
Autor: Valéria Alves - Estagiária de Jornalismo
Edição: Mauri König
Revisão Textual: Jeferson Ferro
Créditos do Fotógrafo: Arquivo pessoal / Domínio público


1 thought on “Contestado, a guerra que chegou de trem

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *