Adoção é amor e responsabilidade

Autor: Barbara Carvalho - Jornalista

De acordo com o termo jurídico, adoção é o “processo legal que consiste no ato de se aceitar espontaneamente como filho de determinada pessoa, desde que respeitadas as condições jurídicas para tal”. Mas, para aqueles que constituem família a partir dessa prática, a adoção é mais que uma definição legal. É um encontro de amor que transforma o lamento em completude e alegria plena.

A adoção foi o assunto da edição do mês do programa Conheça seu Direito, da Rádio Uninter, em comemoração ao Dia Nacional da Adoção celebrado em 25 de maio. O tema foi debatido entre as professoras da pós-graduação em Direito da Uninter Jennifer Manfrin e Priscilla Bortolotto Ribeiro, e com a também professora e especialista em direito de família, Roberta Sandoval França Nogarolli. No bate-papo, elas conversaram sobre as dificuldades do processo de adoção no Brasil.

Segundo Roberta, atualmente o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) conta com mais de 29 mil crianças em lares de acolhimento institucional por todo o país. Também, mais de 32 mil pessoas são pretendentes a adoção no Brasil. Aparentemente, os dados apontam que o número de pessoas que desejam adotar é maior que o número de crianças disponíveis para adoção, porém, alguns fatores fazem com que essa conta não feche. “Os números revelam que as crianças que estão disponíveis para adoção não se adequam ao perfil eleito pelos pretendentes, isso é muito triste e revelador de um padrão da sociedade”, aponta Roberta.

Ainda de acordo com o SNA, das mais de 4 mil crianças que se encontram aptas para adoção, pelo menos 50% delas são pardas e mais de 15% são pretas, totalizando quase 70% do número total de crianças prontas para receberem um lar. Tal porcentagem mostra que ainda prevalece uma preferência pelo estereótipo da criança branca, o que não corresponde à maioria daquelas que esperam por uma família.

No Brasil, o processo de adoção é gratuito e pode ser realizado por qualquer pessoa maior de 18 anos, contanto que a distância da idade entre adotante e adotado seja de pelo menos 16 anos. O adotante deve possuir também idoneidade moral e motivação idônea para a adoção. Além destes requisitos, o pretendente também precisa fazer um curso preparatório oferecido de forma gratuita pelo Poder Judiciário.

Apesar das regras parecerem simples, o processo de adoção é lento e a fila cada vez maior. Pensando nisso, órgãos e ações se aceleram para tornar o processo de adoção menos burocrático, menos preconceituoso e mais rápido. Uma dessas iniciativas é proporcionada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que está lançando uma ferramenta de busca ativa no SNA em comemoração ao mês da adoção. O objetivo é estimular o encontro entre pretendentes habilitados e crianças e adolescentes aptos para a adoção que já esgotaram todas as possibilidades de busca de acordo com seus perfis. A ferramenta deixará disponível para os pretendentes o acesso ao prenome, idade, estado, imagem/fotografia e vídeo com depoimento pessoal das crianças e dos adolescentes aptos para adoção.

 

Não existem coincidências

 Com o auxílio de ferramentas que acelerem o processo de adoção, mais histórias felizes poderão ser contadas. Como a de Sidney Lara (52), que sempre manteve em si o sonho de ser pai, e devido a uma cartada do destino, conseguiu fazer de seu sonho uma realidade. A história dele e de seu filho é uma daquelas que nos fazem pensar que não existem coincidências na vida.

Em 2004, após a falência de sua antiga agência de viagens na Alameda Dr. Muricy, em Curitiba, Sidney precisou mudar seu local de trabalho, reabrindo-a em um imóvel comercial que era de seu pai na Vila Marcelina em Colombo (PR). Foi em meio a toda essa mudança que ele conheceu Pedro Henrique da Silva Cunha de Lara (21) e sua vida mudou para sempre.

Pedro sempre acompanhava sua mãe no trabalho. Na época, ela era carrinheira (pessoa que recolhe material reciclável) e sempre circulava pelo bairro onde Sidney tinha sua agência, e dentre essas idas e vindas diárias veio o primeiro contato entre eles. De início, para auxiliar nos cuidados do pequeno, Sidney passava algumas com ele em seu trabalho, até que o contato mínimo virou a vontade máxima de criarem laços afetivos rapidamente. Logo após o segundo final de semana em que ele cuidou de Pedro, surgiu a possibilidade da guarda de fato.

Em 2005, Sidney recorreu aos métodos para legalizar e fazer de Pedro seu filho perante a lei. Mas, como já visto em outros diversos processos de adoção no Brasil, foram anos de espera até conseguirem a formalização. “Pedro tinha quatro anos quando a gente começou a fazer o processo da adoção, eu fui ter a legalização de fato dele aos 11 anos de idade, mas é assim”, comenta.

A projeção de Sidney aos cuidados começou cedo. Ele veio morar em Curitiba com sete anos e, aos 15, seus pais retornaram à cidade de origem e deixaram seus irmãos a seus cuidados. Dessa forma, ele começou a exercer seus talentos paternos. “Meu pai deixou três filhos comigo e eu tive que assumir essa responsabilidade da paternidade, então minhas irmãs se criaram comigo e eu desde muito cedo tive essa coisa, eu sempre quis ter filho, sempre quis ser pai”, ele conta.

Para Sidney, a adoção não é só receber alguém em sua vida, mas também estar disposta a doar-se, e Pedro trouxe a realização de um desejo antigo. Sidney nunca o impediu de manter os vínculos com sua família biológica, mas para ele, família é mesmo aquela que te acolhe e cuida.

“A adoção é doar alguma coisa de si. Eu repudio pessoas que falam que ele teve muita sorte. Não existe sorte. Existe uma troca e é tanto eu quanto ele. Nós ganhamos com isso, porque a gente construiu algo e construímos juntos essa relação de pai e filho […] você tem que se sentir pai ou mãe daquela criança, eu sou pai, adoção é só um nome porque o Pedro é meu filho”, declara.

 

48 horas

A adoção é um ato que transforma não somente a vida do adotante, mas também do adotado. E aqui começa uma história na qual os traços físicos semelhantes construíram uma família. Sandy Lylia da Silva (36) foi adotada com apenas 48 horas de vida e trouxe a completude que faltava na vida de seus pais.

Sua mãe, Maria Nilza de Jesus (76), já havia passado pela tristeza da perda de dois filhos. O primeiro caso foi o falecimento de um filho prematuro. O segundo foi diferente: como Maria designava diversas atividades e não tinha tempo para cuidar de Juliana (sua primeira filha adotiva), necessitava assim da ajuda de sua mãe. Porém, quando ela se estabilizou e retornou para buscar a criança, sua mãe não quis mais devolvê-la. Assim, Maria ficou distante também do segundo filho.

Oito anos após essa primeira adoção, Maria conseguiu aceitar em seu coração que não recuperaria a guarda da filha e decidiu ir em busca de um segundo processo de adoção. Foi quando Sandy apareceu em sua vida.

Na época, ela trabalhava como auxiliar dentro do berçário do Hospital Evangélico, em Curitiba (PR), onde presenciava muitos casos de abandono. O mesmo aconteceu com Sandy. E neste caso, os traços coincidentemente parecidos com o do seu pai adotivo, Orondino Roque da Silva (76), chamaram a atenção e despertaram o amor imediato de sua mãe.

De início, Orondino se mostrava receoso quanto a ideia de se tornar pai. “A princípio ele não queria, mas depois viu que esse elo familiar conseguiria ser formado através desse processo do sim dele também, porque dentro do coração de minha mãe ela queria uma família de qualquer forma”, conta Sandy. Depois de certo tempo de convivência, a família conseguiu ser formada.

 

E quando a química do amor não acontece?

São muitas histórias de famílias felizes construídas por meio da adoção. Mas, em meio aos processos, podem acontecer casos em que adotante e adotado não consigam se adaptar ou criar laços afetivos, o que ocasiona a devolução da criança ao lar de acolhimento.

A Constituição Federal determina que “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Ainda assim, muitos adotantes não cumprem seu dever legal e, por indefinidos motivos, não tratam mais a criança ou adolescente como parte da família, causando assim um segundo abandono.

Nestes casos, podem ocorrer duas possibilidades: interrupção e dissolução. A primeira retrata os casos quando os pretendentes à adoção interrompem o processo antes do fim dos trâmites legais. Já o segundo caso ocorre quando acontece a devolução do adotado após os trâmites terem sido efetivados e legalizados. Estes casos são mais graves, pois entende-se que houve assim um maior convívio, o que acarreta danos sem precedentes à criança ou ao jovem adotado.

Outro problema que também preocupa em relação à adoção é quanto aos adolescentes que não conseguem um lar até a data de atingirem a maioridade. Infelizmente, a maioria dos adotantes preferem crianças com até dois anos de idade e, conforme a crianças vai ficando mais velha, menores vão sendo suas chances de adoção. Jovens abrigados quando não adotados, ao completarem 18 anos, ficam à mercê da própria sorte, tendo que prover sozinhos moradia e sustento, muitas vezes sem nenhuma ajuda ou experiência.

“Essa é uma das questões mais tristes quando a gente trabalha com direito de família, da criança e do adolescente. A maioria dos estados não possuem um programa de transição, alguns até possuem uma casa onde deixam o jovem, mas são pessoas muito jovens para ficarem por sua conta com ninguém para ajudar. Eu sei que muitos jovens conversam entre si para alugar um imóvel junto, mas imagina a dificuldade que é sair dali (casa de acolhimento) sem pai, sem mãe e com 18 anos” conclui a coordenadora Jennifer.

 

A arte imita a vida, e vice-versa

O cinema conta com diversas obras que ajudam a entender e nos emocionar com o complicado e paralelo mundo da adoção. Alguns exemplos foram citados durante o Conheça seu Direito e um deles é o filme brasileiro “O contador de histórias” (2009), que conta a história de Roberto Carlos Ramos (Marco Ribeiro), um jovem pobre e negro que passa boa parte da sua infância em instituições de acolhimento.

“This is Us” é outro exemplo de como a adoção pode mudar o destino de uma família. A série conta a história da família Pearson que, com a perda de um dos trigêmeos após o nascimento, depara-se imediatamente com o abandono de um bebê e resolvem adotá-lo. A família Pearson, branca, e o novo integrante da família, negro. Ao desenrolar das temporadas é mostrado o tamanho do impacto do ato da adoção em uma família com cores de pele diferentes.

Para quem ficou interessado, a edição do programa está disponível nas redes sociais da Rádio Uninter e para acompanhar na íntegra, basta clicar aqui.

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Autor: Barbara Carvalho - Jornalista
Edição: Larissa Drabeski


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