A industrialização dos alimentos e a qualidade do que se consome

Autor: *Alisson David Silva

Não é de hoje que a indústria de alimentos utiliza estratégias para reduzir os custos de produção e prolongar o tempo de prateleira dos produtos. Essa prática acompanha o próprio desenvolvimento da sociedade moderna, em que o tempo dedicado ao preparo de refeições foi se tornando cada vez mais escasso. Assim, produtos com maior durabilidade e prontos para o consumo se tornaram não apenas convenientes, mas essenciais para atender às demandas do consumidor contemporâneo.

É inegável que esse aumento na vida de prateleira traz benefícios, permitindo que alimentos cheguem a regiões distantes, reduzindo perdas logísticas e garantindo que possamos ter acesso a uma variedade de produtos durante todo o ano. No entanto, a busca incessante por maior durabilidade e redução de custos faz com que as indústrias modifiquem cada vez mais as fórmulas originais dos alimentos. Isso significa que, muitas vezes, aquilo que antes era um alimento simples, com poucos ingredientes, passa a ser um produto ultraprocessado, com longa lista de aditivos e modificações tecnológicas. Um dos exemplos mais emblemáticos desse processo é o iogurte.

O iogurte tradicional é um alimento fermentado que, em sua receita original, leva apenas leite e fermento lácteo – composto pelas culturas de Lactobacillus bulgaricus e Streptococcus thermophilus. Sua textura era naturalmente cremosa e seu sabor levemente ácido, podendo ser enriquecido com frutas in natura ou mel. Hoje, porém, é comum encontrarmos nas gôndolas não o iogurte tradicional, mas sim as chamadas bebidas lácteas fermentadas. Essas versões são mais líquidas e, para reduzir custos e facilitar a produção em larga escala, levam adição de soro de leite, açúcares ou edulcorantes, aromas artificiais ou naturais, corantes e estabilizantes que uniformizam a textura e conferem sabor adocicado. Em muitos casos, após a fermentação, o produto passa ainda por uma nova pasteurização, o que pode reduzir significativamente a quantidade de culturas vivas presentes, diminuindo seu potencial probiótico.

Essas mudanças, embora vantajosas para a indústria e para a logística de distribuição, trazem perdas na qualidade nutricional. O iogurte tradicional possui maior densidade proteica e concentra uma quantidade relevante de microrganismos benéficos. A bebida láctea, por sua vez, é mais diluída, possui menor teor de proteínas e, muitas vezes, contém excesso de açúcares, aproximando-se mais de uma sobremesa láctea do que de um alimento funcional.

Do ponto de vista do Guia Alimentar para a População Brasileira, esse tipo de produto já se enquadra na categoria de ultraprocessados, cujo consumo deve ser moderado ou evitado, justamente por conter formulações complexas, aditivos artificiais e menor densidade nutricional.

Diante desse cenário, torna-se cada vez mais importante que o consumidor conheça os rótulos dos alimentos e entenda o que está comprando. A leitura atenta da lista de ingredientes é uma ferramenta de empoderamento, pois quanto mais longa e difícil de compreender for essa lista, maior a probabilidade de o produto ser ultraprocessado.

É igualmente essencial que haja legislação e resoluções claras, garantindo que as informações nos rótulos sejam transparentes e não induzam o consumidor ao erro. Campanhas de conscientização são fundamentais para ajudar a população a identificar ingredientes, compreender a função de conservantes e aditivos e, assim, fazer escolhas mais alinhadas à saúde e ao bem-estar.

A industrialização dos alimentos trouxe avanços significativos, mas também desafios. Cabe ao consumidor, profissionais de saúde e órgãos reguladores buscar o equilíbrio entre a praticidade oferecida pela indústria e a preservação da qualidade nutricional dos alimentos, garantindo que não percamos de vista o que é essencial: uma alimentação saudável, baseada em produtos minimamente processados e culturalmente reconhecíveis como comida de verdade.

 

*Alisson David Silva Graduado em Nutrição com especialização em Nutrição Esportiva. Mestre em Alimentação e Nutrição. Coordenador e professor do curso de Nutrição do Centro Universitário Internacional Uninter.

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Autor: *Alisson David Silva
Créditos do Fotógrafo: Rodrigo Leal/Banco Uninter e Pexels/fajri nugroho


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