“Lembrar é resistir”. Pajubá revive a história apagada da comunidade LGBTI+
Autor: Yasmin Guedes da Silva – Estagiária de Jornalismo
A luta da comunidade LGBTI+ no Brasil vai muito além da busca por direitos: é uma batalha constante para não ter a própria história apagada. Nesse contexto, preservar a memória coletiva tornou-se uma forma fundamental de resistência, garantindo que as conquistas e lutas do passado continuem a inspirar e fortalecer as novas gerações.
A esse respeito, o programa Pajubá, da TV Uninter, dedicou sua última edição ao tema “Histórias e Memórias da Comunidade LGBTI+”. Na abertura, o apresentador Willow Linhares destacou a reflexão que guiaria a discussão: “Conhecer o passado para compreender o presente e construir o futuro”. Essa frase ecoou ao longo de todo o programa, criando conexões com as inúmeras histórias de resistência compartilhadas pelo convidado, professor, pesquisador e ativista, Remom Matheus Bortolozzi.
Professor de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Remom ressaltou que a memória é coletiva e foi profundamente impactada pela epidemia de HIV/AIDS no Brasil. Ele argumentou que a enorme perda de vidas da comunidade, vitimou especialmente as gerações mais velhas, e impediu o convívio com essas pessoas, privando a comunidade de suas ancestralidades e tornando a preservação da memória uma questão crucial e urgente. Bortolozzi é doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo e um dos fundadores do Acervo Bajubá, iniciativa comunitária dedicada precisamente a preservar narrativas que o tempo e o preconceito tentaram apagar.
Ele contestou a noção de que a história do movimento LGBTI+ começa apenas com marcos populares, como a Revolta de Stonewall, em Nova York, ou com os primeiros jornais e grupos ativistas brasileiros da década de 70. Sua pesquisa revela que essa visão é limitante e apagou um passado mais rico, que contém descobertas fundamentais, como os congressos organizados por travestis nordestinas já na década de 1960 e a relevância do jornal “O Gay”, que em 1978 já discutia a criação de uma bandeira própria para o movimento, diferente do arco-íris que se tornou símbolo global.
O ativista também enfatizou a importância de resgatar memórias traumáticas, como a história de Bernardo, um homem trans de apenas 18 anos. “Bernardo se chamava Bernardo. Obviamente não existia o termo homem trans, pessoa transmasculina, mas Bernardo na década de 10 em Curitiba se reivindicava a ser Bernardo”, narrou o pesquisador, ao revelar como a existência dessa pessoa só foi registrada via um relatório psiquiátrico que tratava sua identidade como uma anomalia. Diante dessa evidência, o professor destaca uma contradição potente: mesmo carregando histórias de violência e gatilhos, os museus da área da saúde são espaços onde memórias importantes para uma comunidade podem ser recuperadas.
Foi explorado ainda como a memória se materializa em espaços urbanos. O pesquisador citou o Clube Operário de Curitiba, palco do famoso “Carnaval das Travestis” na década de 1950, que durante a epidemia de HIV, atuou como um importante ponto de apoio comunitário, oferecendo cestas básicas. Posteriormente, em 2020, demolido: “O palco mais famoso das travestis de Curitiba hoje em dia são destroços para estacionamento inteligente. É esse o valor da memória”, lamentou Remom, exemplificando como o apagamento físico segue o simbólico.
O bate-papo também abordou iniciativas contemporâneas de preservação, como o projeto Memória LGBTI+ de Curitiba, que articula a colaboração entre acadêmicos e os movimentos sociais para recuperar, documentar e dar visibilidade à presença histórica da comunidade na cidade. Esses esforços garantem que novas gerações possam acessar referências antes inexistentes. Além das histórias já mencionadas, o programa, apresentado por Ricardo Mourão e Willow Linhares, reserva outras preciosidades que merecem ser descobertas na íntegra: a revelação sobre discotecas lésbicas operando em Curitiba na década de 80 e a emocionante contribuição do artista plástico brasileiro Darcy Penteado, responsável por criar, em 1985, o primeiro panfleto voltado à prevenção do HIV. Estas e muitas outras narrativas estão disponíveis na edição completa do Pajubá no canal do YouTube da TV Uninter. Assistir ao programa é compreender que, lembrar é resistir. E a resistência, como mostrou o programa, tem raízes profundas e gloriosas.
Autor: Yasmin Guedes da Silva – Estagiária de JornalismoRevisão Textual: Madson Lopes, Willow Linhares e Ricardo Mourão
Créditos do Fotógrafo: Barbara Ferreira Carvalho/Reprodução Youtube




