Novo espaço cultural reforça ancestralidade negra no coração de Curitiba

Autor: Madson Lopes - estagiário de jornalismo

“Nada tira da minha cabeça a certeza desse futuro ancestral.” A declaração é do artista Daniel Montelles, que, sob este espírito de ancestralidade, idealizou a Casa Àlàáfíà, inaugurada no centro de Curitiba no último dia 17/08. O local tem por objetivo promover a cultura afro-brasileira e o senso de comunidade, servindo como ponto de encontro para celebrações, discussões e expressões artísticas. 

Montelles foi o convidado do programa Papo Castiço, exibido pela TV Uninter no dia 20 de agosto. Na edição, ele explica como nasceu a Casa Àlàáfíà, cujo nome expressa a certeza de bons presságios e caminhos de paz. Algo que se confirmou já na primeira semana de funcionamento, quando o espaço recebeu centenas de pessoas em busca de manifestações culturais, conversas, gastronomia e fé. 

Pela repercussão, a notícia chegou à filósofa e escritora Djamila Ribeiro. Em sua coluna na Folha de S. Paulo, ela se referiu à casa como um quilombo urbano. “Um espaço de pessoas negras a partir de saberes ancestrais, junto à presença de cada pessoa convidada a se vestir de branco para adicionar a esse expressivo axé inaugural”, escreveu, desejando sorte aos administradores. 

Daniel nasceu em São Luís do Maranhão, mas foi em Curitiba, onde reside há dez anos, que sua fé nos orixás aflorou. A capital também intensificou sua atuação na militância preta. Desde então, ele planejava a criação de um local dedicado ao acolhimento e à resistência dessa população. “A casa não pode ser nada diferente disso: de celebração da cultura preta popular brasileira”, afirma. 

Ao ocupar espaço no centro de Curitiba, a casa reforça a força desse coletivo numa região que, por anos, foi lembrada exclusivamente pelo estereótipo de cidade branca, formada por descendentes europeus. Uma visão que esconde o fato de 24% da população curitibana se declarar preta ou parda, segundo dados do IBGE de 2022 — número que a coloca como a capital mais negra do Sul do país. “Estamos aqui marcando o nosso território de forma honesta, direta e objetiva”, celebra. 

Durante o programa, Montelles conta que a conquista desse espaço simbólico não foi fácil e foi erguida por várias mãos. Com isso, ele chama a atenção para a importância de a população negra se unir em torno de objetivos comuns. “O preto não faz nada sozinho, eu sempre falo isso para meus amigos. Em algum momento vai cair. Zumbi precisou de Dandara, Dandara de Zumbi — um orixá na força do outro”, argumenta. 

Muito mais do que reivindicar um lugar de direito na cidade e na história, é a garantia de um futuro sustentado pela força da ancestralidade. “Nós somos o começo, o meio e o começo”, cita Montelles, evocando a famosa frase do pensador quilombola Nêgo Bispo, que trata sobre a circularidade da vida e da ancestralidade, onde a geração futura não é um fim, mas o reinício de um ciclo. 

Cada detalhe do espaço carrega intencionalidade. Todo evento, roda de conversa, aula ou celebração é pensado para ter sentido e dialogar com a tradição afro-brasileira. A casa é também um convite ao respeito, à hierarquia e à união — princípios herdados dos terreiros, que orientam as relações dentro dessas paredes. 

Ao som de tambores de afoxé, este quilombo urbano convida mais pessoas a se juntar nesta gira: “Em um domingo à tarde, colocamos os tambores para fora e celebramos o matriarcado, as forças ancestrais que regem aquela casa, regem a minha vida e o povo preto. Porque, querendo ou não, todo mundo vai ter em algum momento da sua história um encontro com essa potência ancestral”. 

Assista à entrevista completa com Daniel Montelles no canal da TV Uninter no YouTube. 

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Autor: Madson Lopes - estagiário de jornalismo
Edição: Larissa Drabeski
Créditos do Fotógrafo: Instagram @alaafia_casa e reprodução YouTube


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