Precisamos falar sobre o Valentine’s Day!

Autor: *Juliana dos Santos Lourenço

Em meio à modernidade marcada pelas tecnologias e pela superexposição nas redes sociais, onde a imagem frequentemente prevalece sobre a realidade, surge a pergunta: como está o amor romântico que tanto se idealiza nesta data? O Valentine’s Day, tradicionalmente associado à celebração do amor e da intimidade, enfrenta desafios no contexto atual, em que as relações parecem cada vez mais mediadas por filtros digitais e validações externas. Será que o romantismo deste dia consegue resistir às pressões de uma sociedade que privilegia aparências em detrimento de conexões genuínas? 

Para repensarmos o sentido dessa data, vale a pena resgatarmos o contexto histórico da criação desse dia. Uma das narrativas mais conhecidas conta que São Valentim, foi um padre do século III, que desafiou o imperador Cláudio II, que havia proibido casamentos entre jovens para fortalecer seu exército. Valentim realizou casamentos secretos, mas acabou preso e condenado à morte. Durante sua prisão, teria se apaixonado pela filha do carcereiro, enviando-lhe uma carta assinada como “Seu Valentim”. Esse gesto é apontado como a origem simbólica da tradição de enviar mensagens de amor, que não se limita ao amor romântico, mas também mensagens carinhosas para amigos e familiares nessa data. 

Podemos observar que as relações amorosas e a maneira de se construir vínculos afetivos se moldam de acordo com os discursos e as construções sociais e culturais de sua época. Na Modernidade, o amor romântico – que envolve desejo, paixão e intensidade – era a expressão máxima de uma realização pessoal. Ele se constituía como o alicerce da felicidade individual, incorporado a outros elementos como, cumplicidade, parceria, segurança afetiva, solidariedade, constituição familiar e o prazer sexual enriquecido por carinho e sentimento.  

A contemporaneidade ou a pós-modernidade foi marcada pela globalização e digitalização das relações, que de certa forma causou uma fragmentação nos discursos tradicionais. Dessa forma, se analisarmos nossa atualidade, verificamos que a demonstração de afeto tem se tornado cada vez mais banalizada, refletindo um sujeito que, frequentemente, não se compromete com sua própria palavra e tampouco com o vínculo firmado com o outro. Nesse contexto, é pertinente recorrer aos pensamentos de Zygmunt Bauman, que descreve a “vida líquida” na sociedade “líquido-moderna” como uma “vida de consumo”, na qual o mundo e todos os seus fragmentos, sejam animados ou inanimados, são projetados como meros objetos de consumo (BAUMAN, 2007, p. 16) 

Portanto, o discurso amoroso no século XXI reflete as profundas transformações ocorridas nas estruturas sociais, decorrentes de uma nova moral cultural e da lógica das sociedades de consumo. Nesse contexto, as relações tornaram-se instáveis e efêmeras, e o “objeto amoroso” é frequentemente tratado como descartável, refletindo a mesma lógica que rege o consumo de bens materiais. 

Essa mudança não se limita a uma dimensão pessoal, mas se estende a um paradigma cultural que valoriza a superficialidade em detrimento da profundidade. Se deixam levar pela imagem numa busca incansável pela satisfação imediata, promovendo um tipo de conexão que, apesar de aparentemente acessível e rápida, carece de consistência e durabilidade. Dessa forma, o discurso amoroso contemporâneo reflete a fragilidade de uma sociedade, onde até mesmo os sentimentos mais humanos são moldados pelas forças do mercado e do consumo. 

E se desde a Modernidade o individualismo já se fazia presente, podemos dizer que agora ele atingiu sua expressão máxima na contemporaneidade. O sujeito contemporâneo, ao invés de se engajar em um movimento coletivo ou em um projeto social comum, busca incessantemente a afirmação de si mesmo, da sua identidade única e autêntica. O mundo parece ter se tornado um palco para a performance de um “eu” excessivo e centralizado, que se reinventa continuamente, alimentado pelas redes sociais e pela constante validação externa. Assim, o ego se expande e se sobrepõe, encobrindo qualquer perspectiva de pertencimento a uma causa ou movimento coletivo que vá além do próprio interesse e da satisfação pessoal. 

Em conclusão, em uma sociedade cada vez mais centrada na busca incessante por gratificação imediata, é fundamental refletirmos sobre o verdadeiro significado do Valentine’s Day, resgatando seu caráter simbólico de celebração do amor genuíno, da conexão emocional e do compromisso afetivo. O real valor dessa data não reside em gestos superficiais e consumistas, mas sim em ações de cuidado, respeito e afeto, que tocam as dimensões mais profundas e autênticas da experiência humana. 

*Juliana dos Santos Lourenço é Professora de psicanálise pela Uninter. Psicanalista – Mestre em psicanálise e especialista em psicologia clínica. 

Incorporar HTML não disponível.
Autor: *Juliana dos Santos Lourenço
Créditos do Fotógrafo: Pexels


Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *