O xadrez pode ser uma potente ferramenta educacional

Autor: Poliana Almeida – Estagiária de Jornalismo

Em 2020, os amantes do xadrez se deleitaram com a série “O Gambito da Rainha”, exibida pela Netflix. A minissérie narra o sucesso de uma jovem enxadrista que conquistou seu espaço no esporte, durante a Guerra Fria. A personagem, Beth Harmon, aprendeu os primeiros movimentos do jogo com o zelador do orfanato em que vivia.

Fazendo um paralelo com a vida real, muitos amantes do “xeque-mate” também tiveram um mentor e, em alguns casos, essa influência surgiu dentro da escola. Um exemplo disso é o que aconteceu com o pesquisador Wilson da Silva. Quando mais jovem, torcia para chover durante as aulas de educação física, pois, somente assim poderia praticar os movimentos do xadrez com seu professor. No país do futebol, o menino preferia o tabuleiro. Gostou tanto do esporte que hoje é um estudioso da área xadrez e educação. “Sempre estudei a relação do xadrez com o pensamento lógico de uma forma geral”, complementa o docente.

Wilson ressalta que, assim como outras práticas esportivas, o xadrez não começou do jeito que conhecemos hoje. Seu ancestral mais antigo é o chaturanga, um jogo indiano que significa exército de quatro alas. “Não era um jogo puro de raciocínio. Eram utilizados dados. A peça a ser movimentada no jogo era definida com base na face do dado que era mostrada”, esclarece.

Depois da Índia, o xadrez começou a entrar no Extremo Oriente. Na China, o Xiangqi revela certo parentesco com o xadrez que conhecemos pelo modo de jogar. Já no Japão, o chamado Shogi é muito tradicional. O que mais chama a atenção neste modelo são as peças em formatos de lápides em miniatura. “Mas, ressalto que o xadrez ocidental também é muito comum nesses países asiáticos”, acrescenta o professor.

Foi apenas entre os séculos 7 e 8, quando o jogo chegou na Espanha e na Itália, que se consolidou o atual modo de jogar. É por isso que Wilson não mede as palavras quando diz que “quem joga hoje, joga um jogo que não tem nenhuma modificação importante há 500 anos praticamente”. Segundo ele, as maiores alterações foram feitas em meados do século 15.

Nas primeiras aparições do xadrez, não existia o casal (rei e rainha). No lugar da rainha, era um ministro. Mas, como a maioria das sociedades europeias na época eram monarquias, essa adaptação foi feita. A mesma coisa aconteceu com a peça ‘elefante’ no xadrez indiano. Lá a peça fazia muito sentido, porém, em países da Europa, por exemplo, o cavalo era mais apropriado.

Como vimos, a prática do xadrez é milenar e acompanha as sociedades desde então. Entretanto, Wilson acredita que não seja apenas por motivos históricos que se deva incentivar e preservar o jogo de xadrez. É importante apostar no jogo, principalmente no âmbito educacional, por diversas razões:

– Esporte: Na Confederação Internacional de Xadrez, fundada em 1924, já são 187 países filiados e que disputam entre si. Trata-se de um esporte bastante popular em todo o mundo.

– Democrático: “Homens e mulheres se enfrentam em pé de igualdade. Adultos e crianças se enfrentam em pé de igualdade. Pense em outro esporte, isso seria possível?”, indaga Wilson.

– Atividade inclusiva: “A gente fala sobre a educação ser inclusiva. E o jogo de xadrez, por si só, é uma atividade inclusiva. O mais interessante é que o cego, por exemplo, não precisa jogar em uma categoria só para cegos. Há algumas adaptações, claro, mas a disputa acontece da mesma forma”, revela.

– Estimula o raciocínio: “A cada jogada você cria um problema para o seu adversário. Você tem que pensar a jogada que você vai fazer e as respostas do seu adversário. Você vai construindo o jogo por abstração”, explica.

– Auxílio escolar: “A atenção e a concentração não são necessárias apenas para jogar xadrez. A escola precisa muito disso! Por intermédio do xadrez, o aluno pode desenvolver essas capacidades que ele vai aplicar em outras áreas, seja numa prova ou tarefa escolar”.

– Socialização: Enxadristas não ficam o tempo inteiro em silêncio. Existe o momento da conversa, que acontece principalmente no momento chamado de análise post-mortem, quando o vencedor debate com seu adversário as estratégias que usou para vencer aquela partida. Além de gerar muito aprendizado, há essa socialização entre os participantes e demais pessoas que queiram ouvir.

O presidente do Clube de Xadrez de Curitiba, Acyr Rogério Calçado, acredita que a prática do xadrez é uma atividade que permeia a ciência. Diretamente ligado ao raciocínio lógico-matemático, o esporte também estimula o senso de responsabilidade e a criatividade. “Neste contexto, o praticante de xadrez, mesmo que por hobby, fica imerso em uma grande diversidade de interações e estímulos”, destaca.

Por essas e outras razões que o professor Wilson afirma que o incentivo ao esporte deve ser promovido em todos os níveis da educação. “Nas primeiras etapas do ensino fundamental, auxilia social e cognitivamente as crianças. O adolescente, por exemplo, carece de itens que tornem a escola mais atrativa e o xadrez pode ser uma alternativa. E por que não no ensino superior também?”, projeta o professor.

Muita gente gosta

Em sua tese de doutorado, intitulada “Raciocínio Lógico e o Jogo de Xadrez: em busca de relações”, defendida na Unicamp (SP), Wilson da Silva fez alguns testes com pessoas que jogam xadrez com mais intensidade, divididas em dois grupos: ‘avançados’, que jogam com frequência; e ‘não-avançados’, que jogam de forma mais casual.

Os testes levaram em conta habilidades matemáticas dos jogadores, que muitas vezes envolvem cálculos e o uso da lógica. Os resultados mostraram que os jogadores avançados se saíram bem melhor do que os demais. “Se você considerar todas as provas e fizer a média delas, saberá que os avançados foram 31,7% superiores que os demais”, revela.

Estes dados foram apresentados na palestra Xadrez e Educação, promovido pela Pós-graduação na área da Educação da Uninter, transmitido pelo AVA Univirtus no dia 11.maio.2021, com a mediação do coordenador de pós-graduação, Marcos Aurelio Silva Soares.

Por mais que os jogadores profissionais sejam desconhecidos pela maioria da população, a comunidade de enxadristas é bastante representativa. Só na Confederação Brasileira de Xadrez são 4.606 enxadristas federados. Acyr Calçado relembra que muitos participantes são grandes nomes da sociedade local. “Já frequentaram o Clube de Xadrez de Curitiba Jonel Iurk, ex-presidente da Copel e ex-secretário estadual do Meio Ambiente e de Recursos Naturais; Riad Salamuni, ex-reitor da UFPR; Abrahão Miguel, desembargador, entre várias outras personalidades”.

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Autor: Poliana Almeida – Estagiária de Jornalismo
Edição: Mauri König
Revisão Textual: Jeferson Ferro


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