O poder da língua na preservação da cultura

Autor: Fabielle Cruz (*)

Em um trabalho de intercâmbio, incluindo professores e mais trinta alunos brasileiros e canadenses, fizemos uma visita a comunidade indígena Araçaí, em Piraquara, na Região Metropolitana de Curitiba, no Paraná. Fomos recebidos por Laércio, cacique Wera Tupã, e os colegas canadenses entregaram presentes para ele, descrevendo detalhes em inglês, que, prontamente, traduzi em português para o cacique. Depois, ele repassou na língua guarani para a sua comunidade.

Essa rotina se repetiu por quase dez dias, período que participamos do Collaborative Field Experience, uma experiência de campo organizada pela Uninter e pela First Nations University, do Canadá. Nesse tempo, não pensei em outra coisa a não ser como, mesmo não tendo lugar de fala por ser não-indígena, falhei parcialmente no meu papel dentro da educação. Fiquei sem voz pela minha tradução. Mas isso não é nada diante do silenciamento que estas comunidades sofrem.

É difícil dizer que não falamos nada em guarani, por exemplo. Se traço um caminho me levando do Norte ao Sul do país, terei contato com as línguas Paraná, Ceará, Sergipe, Roraima. Uma pausa em Iguaçu, Ipanema, Ipiranga, Copacabana, Aracaju e Anhembi, e terei todo um léxico guarani nas toponímias – nome das praias, cidades, estados. Então, por que ainda lutamos e insistimos em “evitar” que a língua guarani faça parte da nossa realidade?

Como professora e pesquisadora da área de ensino de língua, é preciso conhecer os documentos que regem a educação brasileira, que ainda se apresentam controversos e incompletos. Nem sempre a realidade que está escrita ali é a que vai ser encontrada nas salas de aula, sobretudo na educação pública.

Mas, mais do que isso, estes documentos também não abrem espaço para a realidade das comunidades indígenas. Uma rápida busca de termos dentro da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e a expressão “indígena” retorna com apenas 90 resultados, isso em um documento de 600 páginas. O primeiro termo desta busca é “equidade”, quando o documento descreve a importância da equidade e do reconhecimento das particularidades de cada um, mencionando então os grupos e comunidades indígenas.

Mais algumas buscas e o outro resultado trata da “Educação Escolar Indígena”, que visa assegurar as competências específicas deste povo, incluindo princípios de coletividade e espiritualidade. Neste trecho, há a indicação da língua indígena como primeira língua a ser ensinada nestes contextos. Se bem me lembro da conversa com Laércio, o cacique que gentilmente nos recebeu, a escola pública na comunidade dele só consegue ofertar aulas na língua indígena e seguir um calendário diferenciado porque, nas palavras dele, “tem um diretor que compra esta briga”. Ou seja, um não-indígena precisa intervir e defender os direitos assegurados dessa comunidade.

Não é preciso, enfim, ser da área de linguística para entender o que é uma língua de poder, afinal, a língua inglesa está aí para ser o exemplo “vivo”. No entanto, a pergunta que fica é: quem tem o poder quando usa essa língua e por que umas são mais importantes que outras quando é pela língua que parte da cultura é preservada?

* Fabielle Cruz é professora da Escola Superior de Línguas do Centro Universitário Internacional Uninter.

Incorporar HTML não disponível.
Autor: Fabielle Cruz (*)


Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *