Concurso Cultural - Egresso

Filosofia é liberdade

Autor: Paulo Junior Batista Lauxen - egresso de Filosofia (polo Tubarão - SC)

Poucos anos atrás eu era um jovem enérgico e esperançoso ingressando o Ensino Superior. Inspirado em mentores espirituosos, da fantasia e do mundo real (Gandalf e um professor diligente, respectivamente), decidira me tornar sábio. “Ainda que sábios estejam comprometidos com a verdade, certamente sabem como ganhar algum dinheiro e conquistar uma garota”, deveria estar pensando na época.

Prestei vestibular para Filosofia, então. Passei em uma universidade estadual e imediatamente mergulhei numa buliçosa vida acadêmica. Tinha as chaves do carro de minha mãe, sede por conhecimento, namorava uma linda garota e não me ocupava com nada senão sexo e filosofia – nessa mesma sequência, segundo a ordem de importância.

Mas apenas os primeiros dias foram assim. Como não poderia deixar de ser, logo o deslumbramento esmoreceu. De fato, rapidamente se mostrou insustentável conciliar, de um lado, quatro horas diárias na faculdade (que, aliás, ficava em outra cidade), duas horas chacoalhando em um ônibus, oito disciplinas, pilhas de xerox, trabalhos para entregar e, de outro, os rolês com os amigos, as peripécias com a namorada e minhas utopias alternativas (além de sábio, me queria músico, poeta e revolucionário). Para piorar, perdi a namorada, minha mãe se mudou para outro estado e os professores não deixavam de me avisar que ora ou outra eu teria que fazer um tal de TCC.

Rapidamente me aborreci: quitinete, roupa para lavar, intermináveis fichas de leitura, prazos para cumprir, nada de sexo, acúmulo de responsabilidades, pouco dinheiro, sedentarismo e por aí vai. Assistia toda minha insubmissão e vigor se esvaindo. Nesse período passara a ler Nietzsche e Albert Camus. Um me dizia que meus preceptores se ocupavam não com a verdade, mas em garantir um salário. O outro, que toda a seriedade deles não passava de refúgio contra o absurdo da vida. Aproximei-me, então, de Kerouac, Jack London, Thoreau e outros. Lembravam-me que coisas aconteciam do lado de fora da universidade, lugar de “intelectualidade tediosa” que “não passa de uma escola que dá lustro à falta de personalidade” (1). Inspirado em suas aventuras, passei a buscar as minhas.

Fiz alguns amigos que gostavam de acampar e com eles manuseei pela primeira vez uma arma. E continuava a ler Camus: “Acordar, bonde, quatro horas [lendo Kant], almoço, bonde, quatro horas [na faculdade], jantar, sono e segunda terça quarta quinta sexta e sábado no mesmo ritmo, um percurso que transcorre sem problemas a maior parte do tempo. Um belo dia surge o ‘porquê’ e tudo começa a entrar numa lassidão tingida de assombro” (2).

A rotina universitária me era esgotante e, cada vez mais, mostrava-se sem sentido. E tudo se tornou ainda mais crítico quando tive de buscar um emprego. Já cansado, preocupado com contas e desejoso por viver, me via incapaz de dar continuidade àquilo. Por outro lado, minhas vísceras se contorciam sob a perspectiva de deixar de estudar. Decidira me tornar sábio e, nesta altura, até meus rins queriam isso. Mas tal como as coisas estavam, na melhor das hipóteses, apenas me tornaria um erudito encoscorado, cuja alma cedo azedou. Tomado pela ambiguidade, vivi dias dramáticos. Enquanto isso, o que havia de heroico em mim diminuía cada vez mais.

Por acaso e para minha redenção recebi um panfleto da Uninter. “Ensino a distância e de qualidade? Duvido.”, pensei com desdém. Ainda assim, flertei com o que aquilo significava: seguir estudando e, ao mesmo tempo, poder trabalhar, sair e, quem sabe, viver um romance. Ainda que isto não estivesse no panfleto, era o que a Uninter parecia me dizer.

De início sobressaiu o receio. “Quem vai me dizer o que fazer?”, pensava com meus botões. Tratava-se, no entanto, apenas de desconhecimento. Descobri as altas notas de seus cursos nas avaliações do MEC. Depois me inteirei sobre sua credibilidade. Fui ver o lattes dos tutores e me surpreendi. Por dentro dos detalhes, não pude não considerar com seriedade migrar para a instituição. Estimulado, finalmente, pela facilidade de ingresso, pelos valores espantosamente baixos e pela quase onipresença de polos no país, fiz, enfim, a transferência.

Sem perder o rigor, profundidade e qualidade que conhecera num curso presencial, iniciei, então, uma rotina completamente transformada de estudos. Até tive a impressão de que o ar ficara mais fresco, os dias mais ensolarados e que as garotas olhavam mais para mim. Afrouxaram-se os suplícios das aulas presenciais diárias, do ônibus, dos prazos fixos e de toda aquela coisa que me fazia mártir. Estudava agora segundo o ritmo de meus próprios tambores (3).

Embalado por uma música pessoal, tratei de logo dar uso à liberdade reconquistada. Ciente que em todo canto há um polo da Uninter, comprei uma passagem para o litoral. Tive naquele ano um verão de sol, praia e venturosos romances – e minhas notas foram proporcionalmente gloriosas, vale dizer. Fui esgotar “o campo do possível” (4). E nunca mais voltei. Com o tempo aprendi a surfar; tornei-me cozinheiro; abri um restaurante; fechei-o; li mais Kerouac; viajei milhares de quilômetros com uma mochila nas costas; escrevi poesia; comprei uma motocicleta; tornei-me yogi; esqueci-me do mundo; envolvi-me com um misto de Carlos Castaneda e misticismo oriental; lembrei-me do mundo; dividi um quarto com três lindas garotas; demorei-me contemplando a natureza; apaixonei-me (várias vezes); e me assentei numa cabana cercada de mato, onde tento cultivar toda sorte de hortaliças e as sementes da virtude e da bondade. E fiz ainda mais – mas só tenho 8 mil caracteres.

Em suma, vivi “perigosamente” (5). E tudo isto sem prejudicar minha graduação! De fato, eram-me prioridade as leituras, as aulas, os trabalhos etc.. Ainda assim, com a flexibilidade que a Uninter permitia, foi-me perfeitamente possível conciliar a ousadia de dias aventurescos com estudos, trabalho e outras coisas mais. Kerouac teria tanto fôlego?

Mas não pretendo dizer que sabedoria envolva virar as costas ao mundo, à academia, a responsabilidades sociais e coisas tais e ir morar dentro da casca de uma árvore, ou “na margem”. Acho mesmo ingênuo pensar que se poderia escapar para “fora”. Só há “dentro”, é claro. E é aí que quero agir. Mas, à diferença de “todo mundo” – generalizações são horríveis, mas economizam caracteres –, quero uma ação que flerte com o sublime, que seja poética e rica em significados – isto o que entendo por “sucesso”. É isto que tenho tentado. Neste ano, aliás, mesmo antes de concluir o curso, pude assumir a docência de mais de 150 jovens. Que teste, camaradas! Surfar as ondas de um mar de ressaca ou ter três garotas “na lua” num mesmo quarto é menos desafiador que se ocupar com a formação do humano. Ainda assim, me vi preparado!

Mas é claro que me falta muito para ser um verdadeiro mestre. Por isto, tendo concluído o curso, elaboro agora um projeto de mestrado a partir das pesquisas que desenvolvera sob orientação dos professores da Uninter – que, aliás, renderam-me a publicação de um artigo em revista especializada!

Agora, enquanto medito retrospectivamente sobre minha formação, sobressalto-me com um estalido seco vindo da lareira. Vejo ulular na chama uma centelha de sabedoria: viver com “ampla margem”, para falar com Thoreau, é condição para a vida idealizada, de “sucesso”, que imagino. A Uninter me deu esta “margem”, o que me permitiu um tanto de heroísmo em meus dias. Mas me deu também os recursos para que eu possa avançar uma carreira profissional – afinal, nem só de luz vive o homem.

1 Referência a Vagabundos Iluminados de Kerouac.
2 Citação ligeiramente modificada de O mito de Sísifo, de Camus.
3 Referência a Walden, de Thoreau: “Se um homem não mantém o passo com seus companheiros, talvez seja porque ouve um outro toque de tambor.”
4 Referência a O mito de Sísifo: “Oh, minh’alma, não aspira à vida imortal, mas esgota o campo do possível.”.
5 Referência a Gaia Ciência, de Nietzsche: “Pois, creiam-me – o segredo para colher da vida a maior fecundidade e a maior fruição é: viver perigosamente.”
Incorporar HTML não disponível.
Autor: Paulo Junior Batista Lauxen - egresso de Filosofia (polo Tubarão - SC)
Revisão Textual: Jeferson Ferro


4 thoughts on “Filosofia é liberdade

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *