Do terraço de casa para o doutorado internacional

Autor: Nayara Rosolen - Jornalista

Izabel conquistou uma bolsa da Capes para realizar parte do doutorado em Portugal

Incentivada por uma família de professores, em uma casa sempre composta por muitos livros, Izabel Cristina de Oliveira, de 47 anos, costumava brincar de professora desde criança. O terraço da casa onde morava, em Recife (PE), era cenário para as aulas que dava para vizinhas mais novas. A Pernambucana que ama andar pelas ruas do Recife Antigo e ver as heranças de um estado multicultural, agora se lança a voos mais altos, até a cidade do Porto, em Portugal, onde conquistou uma bolsa CAPES para o Programa Institucional de Doutorado-sanduíche no Exterior (PDSE), que consiste em realizar um período do doutorado em uma instituição fora do país.

Izabel é orientanda da professora doutora Luana Wunsch, no projeto de pesquisa Perspectivas Inovadoras, Híbridas e Ativas no contexto educacional no pós-março 2020, do Doutorado Profissional em Educação em Novas Tecnologias da Uninter. Entre outubro e novembro deste ano, embarca para o destino, onde deve ficar seis meses coletando e validando dados junto à comunidade de investigação Ensino e Inovação Pedagógica do Centro de Investigação e Intervenção Educativas da Universidade do Porto.

Com foco nos Objetos Digitais de Aprendizagem (ODAs) na prática docente dos professores que atuam nos Institutos Federais no Brasil, o intuito da pesquisa é não só compreender melhor, avaliar e aprimorar o uso dos objetos, mas também buscar práticas inovadoras para contribuir com o processo de formação docente no país. Além de analisar os impactos destes recursos digitais de aprendizagem para o discente no processo de ensino-aprendizagem.

“Com a pandemia da Covid-19, observou-se uma verdadeira reinvenção na prática de ensino e a necessidade de se utilizar o ensino remoto levou milhares de professores a reinventar pedagogicamente suas aulas com estas ferramentas. Não podemos voltar à nossa prática na modalidade presencial esquecendo todos esses objetos que foram utilizados de diversas maneiras”, salienta Izabel.

A pesquisadora diz que “ainda é de se espantar” a quantidade de pessoas que não empregam os recursos como pedagógicos de aprendizagem. “É como se nós não baixássemos o aplicativo do banco e preferíssemos ir à agência pessoalmente para fazer qualquer tipo de transição financeira”, compara.

Para a orientadora Luana, “é um enorme orgulho” ver o planejamento e a aplicação de uma pesquisa dar bons resultados. Além disso, certifica que o Programa de Pós-graduação de Educação e Novas Tecnologias (PPGENT) da Uninter está “no caminho certo da investigação na área da educação”.

A docente adianta que o produto resultante da tese abarcará uma base inovadora de pesquisa e desenvolvimento. E ainda tem como objetivo ser validado por pesquisadores de uma comunidade de prestígio em âmbito internacional.

A brincadeira que se tornou trabalho sério e qualificado

Por influência da mãe Telma Maria, do tio Benedito e do irmão Carlos Emmanuel, todos professores, Izabel cresceu em um ambiente que não só influenciaria a escolha profissional, mas que, principalmente, incentivava a leitura e a aprendizagem de novos idiomas. Além disso, a saudosa avó Ivanise, a matriarca da família, é lembrada como aquela que sempre teve forças para proporcionar tudo o que era necessário para que a família se dedicasse plenamente aos estudos.

“Muitos falam que a escola deve estimular a leitura, mas, na verdade, a escola é uma complementação deste incentivo. Tenho até hoje o primeiro livro que eu ganhei quando criança, é algo que não tem preço. […] Atualmente, também tenho a agradecer ao meu marido Lelino, pois ele não só compreende minha busca pelo conhecimento, mas também me incentiva e apoia”, conta.

Izabel iniciou a trajetória acadêmica ainda em 1994, quando ingressou para a graduação em Letras Português-Francês, na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em Recife. Enquanto graduanda, também ensinava idiomas em escolas particulares e oferecia aulas de reforço a alunos do ensino fundamental e médio.

Em 2003, cursou a primeira especialização em Língua Espanhola, também na UFPE. Já nesse período, se angustiava em relação a questões do processo de ensino-aprendizagem. Então, em 2005, iniciou outra especialização em Língua Inglesa pela Faculdade Frassinetti do Recife (FAFIRE). Ao mesmo tempo, começou também o primeiro curso de Língua Brasileira de Sinais (Libras), pela Prefeitura de Recife.

No mesmo ano, passou no concurso da Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco (SEDUC) e assumiu aulas de português e inglês para o ensino fundamental II e ensino médio. Assumiu aulas ainda no Núcleo de Estudo de Línguas (NEL), lecionando francês e espanhol, após passar em outro concurso da SEDUC, em 2006, e se manteve como servidora pública no órgão por 12 anos.

No ano de 2008, decidiu aprimorar o espanhol em um intercâmbio em Valência, na Espanha. Onde pôde perceber metodologias distintas utilizadas no ensino de idiomas e passou a implementar na volta ao Brasil, como culinária, encenação de diálogos e passeios culturais. Dois anos depois, Izabel teve a primeira oportunidade de concorrer a uma vaga de mestrado.

“Paguei os créditos do mestrado oferecido pela Lusófona do Porto, em Ciências da Educação na Especialidade de Supervisão Pedagógica e Formação de Formadores, e para a minha dissertação, desenvolvi na escola estadual na qual trabalhava, um projeto com blogs, para o desenvolvimento da escrita em Língua Portuguesa, com alunos do 8º ano”, conta.

Com a data da defesa de mestrado marcada para dezembro de 2014, Izabel iniciou um doutorado em Assunção, capital do Paraguai, na esperança de que os acordos do Mercosul facilitariam a revalidação do diploma no Brasil e diminuiriam os trâmites burocráticos. No entanto, não foi o que aconteceu.

Como não conseguiu revalidar o diploma, no final de 2015 passou na seleção do mestrado profissional em Letras (ProfLetras), na Universidade de Pernambuco (UPE), em Nazaré da Mata (PE) e defendeu a dissertação em dezembro de 2016. Como não havia orientadores que vinculassem o uso das tecnologias digitais ao ensino de Língua Portuguesa, o projeto foi adaptado para a investigação dos níveis de leitura dos estudantes de escolas públicas, analisando os resultados encontrados na Prova Brasil.

No mesmo ano, foi aprovada em um concurso para docente de língua inglesa do Instituto Federal de Alagoas (IFAL), no campus Piranhas (AL), para lecionar nos cursos técnicos. Onde continua até hoje, também com aulas de Libras para as graduações de Física e Engenharia Agronômica.

Ainda na IFAL, foi coordenadora do Núcleo de Apoio às Pessoas com Necessidades Específicas (NAPNE), o que a impulsiona a organizar eventos e ministrar cursos de extensão e formação continuada para professores, servidores e público externo, voltados para área de educação especial e inclusiva. Neste sentido, se inscreveu em cursos no Instituto Benjamin Constant (IBC) do Rio de Janeiro (RJ), à distância, e agora conclui também uma pós-graduação em Atendimento Educacional Especializado (AEE).

O tão buscado doutorado

O doutorado em Ciências da Educação, em Assunção, foi retomado após a conclusão do mestrado, com pesquisas sobre Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDICs) relacionadas ao processo de ensino aprendizagem. Mas mais uma vez, a pandemia da Covid-19 fez com que a defesa, marcada para julho de 2020, fosse impossibilitada.

Durante o “período caótico”, então, Izabel decidiu dar outro rumo para a vida acadêmica, com o fato de que muitos cursos começaram a ser ministrados de maneira remota, o que facilitaria conciliar o trabalho com outro doutorado.

“Comecei a buscar cursos que me oferecessem não só um fundamento teórico, mas que também possibilitasse aprimorar minha prática como docente, uma vez que eu acredito profundamente que estes dois aspectos caminham de mãos dadas. Se eu aprimoro meu conhecimento, da mesma forma eu amadureço e enriqueço minha práxis como professora”, garante.

Assim, Izabel encontrou o PPGENT da Uninter e foi aprovada no processo seletivo de 2021, onde diz que percebeu “um corpo docente de excelência”. Sem saber, a pesquisadora já utilizava referências de profissionais da instituição e cita alguns que se tornaram referências ao longo do curso, considerados “memoráveis”, como é a orientadora, Luana Wunsch, e os professores Joana Romanowski, Ademir Pinheli, Siderly Dahle, Ivo Both, Luciano Frontino e Alvino Moser. Ela ainda lembra da analista de operações acadêmicas, Daniele Nunes, e das colegas de pesquisa, Sâmmya Adona e Elisabete Cabral (in memoriam).

“Após fazer cursos em instituições públicas de nível superior, percebi que as instituições particulares aparentam se atualizar de maneira mais rápida, de acordo com a necessidade de mercado. Dessa forma, o doutorado da Uninter me permitiu não só aprofundar meus conhecimentos teóricos, mas aplicá-los ao mesmo tempo em minha práxis docente e refletir, analisar e buscar melhorias”, afirma.

A pesquisadora garante que além das leituras, algumas disciplinas oportunizam a participação em seminários, desenvolvimento de trabalhos, eventos e diversas produções científicas. “Nunca é algo monótono”, garante. Um ponto interessante, para ela, é poder ter aula com diversos docentes, de maneira colaborativa, o que leva a aprofundar os conteúdos, já que “cada um contribui e enriquece as aulas com domínio e profundidade na temática”.

Ainda que nunca tivesse pensado em conseguir uma bolsa CAPES para o doutorado sandúíche, Izabel se inscreveu para a Universidade do Porto, por incentivo da orientadora Luana, que  é considerada uma parceira.

“É uma professora de grande estirpe, pois nas orientações nós conversamos. Não existe um tipo de ordem verticalizada, mas um diálogo maduro entre duas pessoas que têm confiança uma na outra e conhecimento. Acredito profundamente que foi esta parceria que culminou na obtenção da bolsa. Tive muita sorte quando ela me escolheu como sua orientanda”, salienta.

Agora, Izabel visa acompanhar, observar e ter acesso a materiais mais profundos e abordagens que não encontra no Brasil, “uma vez que é a maior comunidade lusófona sobre inovação pedagógica”. A pesquisadora busca perceber quais outros objetos digitais de aprendizagem são utilizados, alcance a publicações internacionais mais atualizadas e, principalmente, dialogar com outros acadêmicos. “Vivenciar estas situações serão de grande importância para o enriquecimento da pesquisa”, acredita.

Em Porto, terá a pesquisa acompanhada também pelo professor doutor Rui Trindade, por quem tem admiração e considera um pesquisador renomado, parte de vários grupos de pesquisa sobre inovação pedagógica na educação.

Izabel acredita que foi importante não desistir do que desejava e seguir o caminho de maneira ética, com respeito ao próximo, sem se deixar abater pelas dificuldades, embora “alguns momentos realmente nos tirem o chão”. E salienta a importância de aprender novas línguas, o que a possibilitou, desde cedo, acessar um enorme universo literário de maneira independente. Foi como se libertou para outros mundos e outras formas de pensar, para assim expandir o conhecimento e adentrar outras cultuas.

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Autor: Nayara Rosolen - Jornalista
Edição: Larissa Drabeski


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