Da Vinci: um homem de diferentes saberes do seu tempo

Autor: Mariana Bonat Trevisan e André Moscaleski Cavazzani*

A bicicleta, uma das invenções de Da Vinci em exposição no MON.

O Museu Oscar Niemeyer recebe em Curitiba a exposição “Da Vinci Experience e Suas Invenções”, que marca os 500 anos da morte do multifacetado personagem histórico Leonardo da Vinci (1452-1519). Já tendo sido exibida em diferentes salas do Brasil e do mundo, poderá ser vista na capital paranaense até 8 de maio de 2022.

A mostra tem como proposta a inovação e a interação, em uma exposição imersiva que utiliza múltiplas linguagens (vídeo, som, texto, imagem e materialidade). O espectador é convidado a conhecer a trajetória e a produção de Leonardo da Vinci passando por quatro núcleos de atuação do artista, partindo das seguintes identidades atribuídas: engenheiro, arquiteto, pintor e anatomista. Ao final, o público é convidado para uma imersão, na qual a combinação de vídeo, música, imagens e textos sintetizam e concluem a trajetória de Da Vinci.

Em cada núcleo da exposição, em cada peça ou imagem apresentada, são fornecidas informações e periodizações detalhadas sobre as criações e os momentos de vida do renascentista. Um exemplo é o mural dedicado a explicar os códices compostos pelos manuscritos de anotações do artista, fontes históricas essenciais para análise de sua vida e obra.

Certamente, Da Vinci foi um homem de diferentes saberes, que desenvolveu variadas produções e estudos em sua época (não nos esquecendo das contratações e financiamentos para isso). Como historiadores, no entanto, devemos chamar atenção para a tentação das idealizações do passado. Há tempos os historiadores profissionais concordam que nenhum homem está à frente de seu tempo.

Quando a sociedade olha para o passado e suas figuras, imprime a eles, inevitavelmente, o olhar do presente e seu lugar de pertencimento (em nosso caso, o do Ocidente). Ao colocarmos Da Vinci como engenheiro e arquiteto (categorias profissionais que sequer existiam na época), rotulamos, com os valores do nosso tempo, a sua figura histórica para, assim, torná-la mais compreensível aos nossos olhos. Mas, com isso, caímos numa armadilha: ao olhar dessa forma para Da Vinci, vemos mais de nós mesmos e de nossas expectativas do que, verdadeiramente, a realidade histórica desse personagem.

Cremos que cabe acrescentar aos feitos de Da Vinci e sua cronologia essa reflexão histórica: ele foi um homem de seu tempo, mas não além dele. Ele criou o que seu tempo lhe permitiu, de acordo com sua formação, as condições que lhe foram dadas e bebendo no que já havia sido desenvolvido em tempos anteriores. Portanto, é importante enxergarmos Da Vinci não simplesmente como um homem renascentista excepcional, que rompeu com o que teriam sido as “trevas medievais” e abriu portas para grandes invenções que chegariam à sua forma final na contemporaneidade (tal como o helicóptero).

O Da Vinci “precursor” de Descartes ou de outros pensadores e cientistas posteriores não se sobrepõe ao homem entre o final do século XV e meados do XVI (dentre outros desse mesmo período) que vivenciou e atuou em seu contexto cultural, científico e político, trabalhando e buscando aprimorar técnicas e ideais que já haviam sido vislumbrados nos tempos considerados pela cronologia tradicional europeia como “medievais” e de obscuridade.

Nesse sentido, vale destacar um exemplo: a atribuição em geral de um primeiro protótipo de asa-delta a Leonardo da Vinci. Ainda distante dos tempos da Renascença, homens medievais, como o muçulmano andaluz Abbas Ibn Firnas (que viveu no século IX) e o monge inglês Eilmer de Malmesbury (do século XI), teriam projetado equipamentos com o mesmo propósito, sem obter sucesso inferior a Da Vinci. Já o amplamente “pop” homem vitruviano teria sido elaborado a partir de anotações de outros estudiosos de seu tempo. Dessa forma, mais que vê-lo como um gênio único e muito à frente de sua época, é preciso questionar também o que ele revela de seu período, dos anteriores e como a nossa época o representa e recria.

Vale a pena visitar a exposição “Da Vinci Experience e Suas Invenções” para conhecer mais sobre as criações e a vida do artista, mas também para refletir sobre como a nossa sociedade reinterpreta e enxerga figuras históricas como a dele.

* Mariana Bonat Trevisan é doutora em História e professora dos cursos de História, da área de Linguagens e Sociedade da Uninter.

* André Moscaleski Cavazzani é doutor em História Social e professor do curso de História, da área de Linguagens e Sociedade e, também, do Programa de Mestrado e Doutorado Profissional em Educação e Novas Tecnologias da Uninter.

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Autor: Mariana Bonat Trevisan e André Moscaleski Cavazzani*
Revisão Textual: Larissa Drabeski


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