Caso Daniel Alves: impunidade masculina segue ativa
Autor: *Relly Amaral Ribeiro
Há três anos, escrevi um artigo de opinião intitulado “A impunidade masculina questionada”, no qual destacava a postura da Justiça espanhola e do clube de futebol Pumas diante da acusação de abuso sexual contra um jogador, ocorrida em uma casa noturna na Espanha no final de 2022. Desde então, o caso passou por diversas reviravoltas, incluindo inconsistências no depoimento do atleta e a alegada “falta de provas” apresentadas pela denunciante.
Como resultado, em 28/03/2025, a Justiça espanhola anulou a condenação de Daniel Alves, que havia sido sentenciado em fevereiro de 2024. Apenas um ano depois, sua absolvição foi determinada com base na “falta de confiabilidade no depoimento da denunciante” e na “insuficiência probatória”, resultando também na anulação das medidas cautelares anteriormente impostas.
Curiosamente, na mesma semana, assisti ao espetáculo Prima Facie, uma montagem australiana encenada no Brasil com adaptação protagonizada por Débora Falabella. No monólogo, sua personagem, uma advogada criminalista em ascensão, defende homens acusados de crimes sexuais, explorando as “inconsistências” nos depoimentos das vítimas para garantir suas absolvições. No entanto, ao se tornar vítima de estupro, ela passa a enfrentar não apenas a violência do crime, mas também as barreiras do próprio sistema judicial.
A peça denuncia uma particularidade dos crimes sexuais: quem é mais questionado não é o réu, mas a vítima. Sua fala, vida amorosa e profissional, roupas, comportamento, moral, cotidiano e passado são constantemente postos à prova. Seu depoimento é contado e recontado, muitas vezes descredibilizado por não conter detalhes suficientes. A provocação do texto está no fato de que, ao contrário de outros crimes, onde os detalhes são menos valorizados do que o ato ou fato em si, aqui o que importa é a guerra retórica.
Pensemos: se sou roubada ou sequestrada, o fato está claro, não preciso fornecer todos os mínimos detalhes para que meu depoimento seja aceito. “Tudo fica muito nebuloso e confuso durante o abuso”, diz a personagem, e toda mulher que já passou por isso sabe que é assim, ou até pior. Vergonha, nojo, culpa, medo, desespero, dor e o impulso de sobreviver ao ocorrido distorcem a memória e a cognição.
Em um post no Instagram, logo após a anulação, a jornalista Milly Lacombe afirma que o sistema judiciário tem na cultura masculina seus alicerces, funcionando por e para homens, com a visão de mundo deles. O que é violência para um homem, não é para uma mulher. “O que para eles é nada, para nós é violência. O que para eles é uma farra, para nós é a morte. Não foi apenas uma forçada, é crime.” E complementa: “Quantas provas são necessárias para condenar um homem por violência sexual?”
O fato é que não é possível, em todos os casos, ter evidências físicas incontestáveis, gravações em vídeo ou fotos. É um crime que ocorre no privado, quase sempre entre quatro paredes. Não é um roubo ou sequestro, a céu aberto. O depoimento da vítima precisa ser considerado, assim como o depoimento das testemunhas, e o sistema precisa ser atualizado, levando em conta a nossa visão de mundo e valores também.
Se os dados apontam que no Brasil, a cada três mulheres, ao menos uma já foi ou será abusada sexualmente até o final de sua vida (o que corresponde a 21,4 milhões de brasileiras, segundo o Ipea – Atlas da Violência, 2024), é urgente que mudemos o paradigma que favorece a inocência masculina.
No caso de Daniel Alves, a inconsistência no depoimento da suposta vítima foi suficiente para anular a condenação, mas por que a inconsistência nas versões dele (cinco versões!) não é suficiente para indicar culpa? São dois pesos e duas medidas, sempre, e a balança continua pesando de forma desproporcional no emocional e na vida da mulher – invadida, devassada e violentada duas vezes: pelo abusador e pelo sistema que deveria protegê-la.
Espera-se que esse golpe na luta pelos direitos das mulheres não desmotive outras a denunciar, mas, infelizmente, o recado foi dado. Para as mulheres, a sensação de impunidade é devastadora. O desejo de muitas continua sendo o mesmo: que cada um pague por aquilo que fez e faz. Isso exclui, obviamente (mas nem tanto), a vítima.
*Relly Amaral Ribeiro é assistente social, mestre em Serviço Social e Políticas Sociais, e atualmente professora e tutora dos cursos de pós-graduação em Serviço Social da Uninter.
Autor: *Relly Amaral RibeiroCréditos do Fotógrafo: Pexels
Falsas denúncias destroem carreiras, no caso do jogador terá que se aposentar e a acusadora que por meio de depoimentos falsos destruiu sua carreira vai continuar impune. Ele inocentado não por causa das versões, mas sim por que suas versões não se comprovaram com as provas materiais e genética.