A mídia é um espelho de quem somos?

Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de Jornalismo

É através do corpo que os seres humanos mediam sua existência na Terra. A partir dos anos 70, se acentua um processo de mercantilização do corpo humano na mídia, principalmente o feminino. Segundo a professora da Escola Superior de Educação (ESE) da Uninter Valéria Pilão, o ideal de beleza sempre existiu, mas nas últimas décadas surge uma enorme pressão para se alcançar um padrão estético que não existe naturalmente, que passa a ser exacerbado por meio de ferramentas tecnológicas, como filtros das redes sociais e programas de edição.

Esses estereótipos são reforçados pelos meios de comunicação o tempo todo, e a TV está em um lugar privilegiado nesse cenário. Isso porque apenas 2,8% dos domicílios brasileiros não possuem televisão, e 77% da população consome programas televisivos todos os dias. Isso significa que a TV cumpre um papel de formadora de opinião muito forte na construção social do Brasil.

“A mídia vai funcionar como elemento de mão dupla. Ela vai captar valores que já existem socialmente e ao mesmo tempo vai reforçar esses valores. É um processo que vai contribuindo para acentuar cada vez mais um tipo de ideal de beleza associado à mercantilização do corpo e associado a uma compreensão daquilo que é feminino”, afirma Valéria.

A participação de homens e mulheres nesses meios é distinta. Ainda que o homem também possa passar pelo mesmo processo, isso acontece com intensidade menor. Além do gênero, há também a questão racial e de faixa etária. Uma pesquisa da Fiocruz aponta que a presença de homens em programas que abordam ciência representa o dobro da participação de mulheres. E quando mulheres aparecem, normalmente são jovens.

Um grupo de estudos multidisciplinar de ação afirmativa no Rio de Janeiro realizou uma pesquisa sobre novelas entre os anos de 1985 e 2014. A divulgação dos resultados em 2016 apontou que 46,2% dos atores eram homens brancos, 45,2% mulheres brancas, 4,4% homens não brancos e 4,4% mulheres não brancas. Isso em uma sociedade em que mais de 50% da população se autodeclara negra.

Muito do que se vê hoje na TV vem de uma reformulação da publicidade e propaganda a partir dos anos 70, que passa a vender muito mais pelo prazer atrelado a ter a mercadoria do que pelo produto em si. Um exemplo disso são os comerciais de cerveja, que utilizam o corpo feminino como um objeto de desejo dos homens.

“Esse corpo objetificado é um corpo que é negado à ação social, que é negado à ação política. Como objeto, você não tem espaço para a fala, você não tem espaço para apresentar os seus desejos e isso acaba de alguma forma reproduzindo a concepção de feminino que está dada na sociedade brasileira”, salienta a professora.

Para além disso, a idealização do corpo perfeito fez com que o Brasil chegasse ao topo do ranking dos países que mais realizam cirurgias plásticas no mundo. Houve também o crescimento da busca por parte dos homens a partir dos 30, 35 anos. Os procedimentos mais procurados pelas mulheres são aumento mamário, lipoaspiração, abdominoplastia e plástica de pálpebras. Já os homens buscam por rinoplastia, lipoaspiração de abdômen e plástica de pálpebras.

A beleza dos corpos é estabelecida socialmente, mas tecnologicamente criados, com softwares de edição e o uso da ciência. “São cirurgias que buscam, em conjunto e individualmente, acompanhar ou chegar o mais próximo possível daquele ideal de beleza que é todo dia reprisado nos meios de comunicação de massa”, ressalta Valéria.

A docente lembra que esse comportamento traz consequências não apenas para a saúde, mas também econômica e socialmente. “Isso tem que ser um debate cada vez mais público, mais amplo, porque nós temos que executar mudanças que passam por questões individuais certamente, mas são questões de políticas públicas. De como nós organizamos a sociedade como um todo, pensamos espaços dos meios de comunicação, pensamos a própria educação”.

A professora Maria Emília Rodrigues, que também atua na ESE, destaca que também há uma violência simbólica nesse processo. Segundo ela, “é um tipo de violência que se naturaliza e se perpetua, porque não é percebida. Não é vista como algo que foi culturalmente e historicamente construída, mas sim como algo que faz parte da natureza, que não é questionada”.

A influência das produções hollywoodianas

Na sociedade brasileira não existem opções de produtos com diversidade cultural. A população é influenciada há décadas por produções dos Estados Unidos, através dos filmes de Hollywood, que constroem percepções de comportamentos, relacionamentos e estilos de vida.

Uma questão muito presente nessa indústria, segundo Maria Emília, é o ageísmo. Os homens envelhecem e mesmo assim continuam tendo papeis de destaque nos filmes, sem nenhum problema com a aparência física. Já as mulheres acabam sendo descartadas conforme ficam mais velhas, com raras exceções.

A docente cita os longas do 007 como exemplo, nos quais os atores que fazem o papel de James Bond envelhecem na frente das câmeras, mas seus pares são sempre jovens. Além disso, sempre buscam atrizes mais novas para interpretar papeis de mulheres mais velhas.

“Não se pode dizer que as mulheres em Hollywood depois dos 40 seriam ‘aposentadas’, porque não há mais papeis para elas. Há, mas elas não são chamadas para isso”, explica.

Maria Emília lembra que em 2013, a mulher mais bem paga do mundo era Angelina Jolie, mas o faturamento da atriz não chegava nem perto dos números dos homens mais bem pagos. A média de idade entre eles também apresenta uma grande diferença. Entre as mulheres, 33 anos, já para os homens está na casa dos 46 anos.

Somado a isso, os papeis destinados a mulheres são na maioria de coadjuvantes. Um estudo de cinema em parceria com a Organização das Nações Unidas (ONU) aponta que dos 100 filmes mais assistidos, mulheres que tinham personagens com falas registravam 30%, e como protagonistas 20%.

“Quando falamos de mulheres não brancas, aí a sub-representação é pior ainda. Quais papeis que são geralmente dados a essas mulheres? Ou são secundárias ou são super estereotipadas, e também são pouquíssimos. É uma indústria que já desencoraja que a diversidade seja representada logo no início, porque não há nem a existência de papeis variados para todos os tipos, é muito restrita”, salienta Maria Emília.

Falando de premiações, até hoje apenas nove mulheres foram indicadas e só uma ganhou o Oscar de direção, em toda a história do prêmio. “Isso reflete que há poucas mulheres por trás das câmeras também”, completa a docente.

O Centro de estudos das mulheres no cinema e na televisão aponta que 8% dos diretores são mulheres, além de contabilizarem 10% dos roteiristas e 24% dos produtores. A alternativa que sobra nesse sentido são produções independentes, que ficam em um circuito muito restrito e com raras exceções chegam ao grande público.

Atualmente, alguns movimentos contra a dominação masculina estão fazendo com que empresas pensem sobre e realizem produções mais inclusivas e representativas. “Há um embate, é um campo em disputa e estamos, a passos lentos, modificando essas questões”, finaliza Maria Emília.

As profissionais debateram sobre a temática no terceiro dia do evento Vem SaberMulticulturalismo, que falou sobre Representações midiáticas e de gênero, no dia 28.out.2020. O bate-papo foi mediado pela professora Thays Carvalho e segue disponível para acesso, através da página de Linguagens e Sociedade e no canal da ESE.

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Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de Jornalismo
Edição: Mauri König
Revisão Textual: Jeferson Ferro


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