Os fardos do menino nota 10

 

Denise Becker – Estagiária de Jornalismo

Quantas vezes insistir até encontrar-se na vida? Quando largar tudo e partir para outra? O que nos põe medo, nos faz desistir? Essas tantas dúvidas pesam mais aos ombros quando se tem 18 anos, em particular àqueles em cujo currículo pesa o fardo da nota 10. Rafael Giuvanusi já havia passado pela difícil decisão de descartar algumas boas possibilidades até se encontrar em uma profissão – mas mesmo essa lhe cobrou três provações. Numa delas, tomou uma atitude inesperada, incompreensível até.

O passado o revisitou numa manhã de segunda-feira, quando se deparou na rodoviária do Tietê, tendo no bolso apenas os R$ 2 mil da rescisão do contrato de trabalho na agência de atendimento publicitário da qual se desligou. A falta de perspectivas profissionais em Curitiba o levou para São Paulo. O dinheiro era pouco, mas àquela altura parecia um detalhe para quem já havia tentado, insistido e recomeçado até descobrir o que queria da vida. Sempre à sombra da nota 10.

Nascido em Ivaiporã, no Norte Central paranaense, mudou-se para Curitiba no primeiro ano de vida. Considera-se curitibano, portanto. Único da família com formação superior, a força inspiradora veio da mãe, Júlia Camargo, e da avó, Valdenora Vieira Giuvanusi. Os mais velhos diziam que daria bom advogado. Pensou estudar Direito, Engenharia Civil e até  Biomedicina. Desistiu. Sua sina estava traçada. Seria jornalista.

Ainda que já soubesse o que queria na vida, a sorte andava muito esquiva. Rafael passou por três universidades até receber o diploma. Na primeira, os problemas financeiros o afastaram do sonho. Na segunda tentativa, não suportou carregar o peso de ser o aluno nota 10. E isso o levou a uma atitude inesperada.

Na aula de Teorias da Comunicação, ministrada pelo saudoso Víctor Folquening – professor e jornalista morto atropelado por um ônibus biarticulado em 2012 –, o garoto vai à frente da classe, um tanto tímido, cara a cara com o professor, e recebe das mãos do mestre um livro com uma dedicatória: “Parabéns ao Rafael, cujos olhos inteligentes dão mais sentido ao meu trabalho”.

À frente da turma, Víctor disse que em 12 anos de docência apenas três alunos haviam alcançado a nota máxima em suas avaliações. Rafael foi o terceiro, e quem sabe tenha sido o último. Aquela nota pesou aos ombros. O que para a maioria das pessoas é motivo de júbilo, nele desencadeou uma angústia a ponto de fazê-lo abandonar a faculdade. Seis meses de ausência, recluso em casa.

Soa estranho dizer assim, mas o garoto de “olhos inteligentes” não sabia lidar com a nota 10. “Acho que foi uma pressão tão grande a partir disso que fiquei sem saber como dar conta de outros 10. Porque depois que você tira 10, as pessoas não esperam menos de um 10 de você”, diz ele. Certo dia, assistia ao noticiário, fazia análises e explicava para a mãe como as coisas aconteciam na TV. Dona Julia se virou para ele: “Rafael, meu filho, você só fala nesse negócio. Por que não volta a estudar Jornalismo?” Ele foi.

Pela terceira vez escolheu Jornalismo. Aos 19 anos, chegou ao Centro Universitário Internacional Uninter e logo na primeira aula se deparou com a “versão feminina” de Víctor Folquening. “Vou ter de encarar essa mulher. Lembro até hoje o que ela disse: ‘eles me colocam na turma do primeiro período porque se passar por mim, se forma’. Só podia ser um teste”, recorda. A professora em questão era Nivea Bona, ex-coordenadora de Jornalismo da Uninter, que hoje mora nos Estados Unidos.

É difícil para um professor ou uma professora falar de um aluno preferido. Mas Nivea pondera: “Aqueles pelos quais você se apaixona pela alma deles, a vontade de ir em frente, de brilhar e fazer a coisa acontecer. O Rafa foi um deles”, diz. O texto do aluno foi o maior presente. “Já tinha característica dos que leem muito e tem ânsia de aprender”. Além de excelente aluno, ele revelou-se um excelente pesquisador no primeiro grupo de estudos organizado pela professora.

“Ele carrega a insígnia de ter sido o primeiro e único aluno a me fazer chorar em uma formatura. Na verdade, não foi ele, foi o texto dele”, lembra Nivea. O garoto teve um desempenho memorável na graduação, chegou à temida fase final de conclusão do curso, o TCC. E mais uma vez, alcançou nota máxima na qualificação – período em que o trabalho de conclusão recebe sugestões e reparos de revisão bibliográfica e estrutura. Não é muito comum os professores darem nota maior do que 9 ou 9,5 nesse caso, pois sempre há detalhes para arrumar no texto.

Não no caso de Rafael. Tirou 10 na qualificação e 10 no trabalho de conclusão. “Tive o privilégio de ser o orientador dele no projeto de TCC. Visionário, chegou com o tema “notícias falsas na internet”, que agora está na crista da onda em debates e congressos de comunicação. Isso é reflexo de um aluno que está atento, com uma carga bibliográfica apurada, daqueles que leem muito e de tudo”, diz Luís Otávio Dias, que atualmente faz doutorado em Lyon, na França.

O garoto de texto primoroso diz que traz os resquícios das leituras que já fez. Eliane Brum, Umberto Eco e Klester Cavalcanti são os preferidos. Formado em 2014, está em São Paulo desde 2015, onde atua em assessoria de imprensa. Em dois anos, possui um histórico invejável. Esteve em três ralis: o Dakar, dos Sertões e Cerapió. Percorreu cerca de 1,3 mil km pelo sertão nordestino.

Foi assessor da Seleção Brasileira de Paracanoagem e fez a cobertura dos Jogos Paralímpicos de 2016. Atualmente, presta assessoria para atletas e paratletas. Aos 26 anos, passou também pela área de moda, cultura, esporte e decoração. Atua ainda como jornalista voluntário da ONG Dignitá, de apoio a refugiados, e participa de um processo seletivo para dar aulas de comunicação empresarial no Senac.

“Existe muito preconceito nesse meio. Às vezes, acham que o assessor de imprensa é só um assistente e que não entende o que o repórter está fazendo. É o contrário. Muitas vezes o assessor ajuda o repórter com umas sacadas que ele não tinha percebido”, enfatiza. Agora, já pensa no mestrado. “Tem muito cara que é um dinossauro da academia e não tem noção do que acontece no mercado. Se um dia eu for dar aulas, passei pelo mercado, senti como é. Porque é complicado você levar para um aluno algo que você não viveu”, diz.

“Conhecendo um pouco do Giuvanusi e da sua trajetória durante o tempo que o acompanhei na Uninter, acho que o curso de Jornalismo lhe caiu como uma luva. A profissão de jornalista abre muitas possibilidades e tenho certeza que, no caso dele, assim como de tantos outros alunos experts, há um futuro promissor pela frente”, completa Luís Otávio.

Edição: Mauri König

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